Nos dias atuais a igreja tem sido encharcada por um movimento de adoração denominado “adoradores apaixonados”, que dizem ser a geração de adoradores chamados a corresponder àquilo que o Senhor tem de melhor para a sua igreja. Diante de algumas atitudes expressas pela nova geração de adoradores, fica difícil distinguir o que realmente o Senhor deseja nos falar, através do conclamar de Jesus no texto de João 4:23: “Mas vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores”.
Enquanto se discute se essa geração está certa ou errada na sua forma de agir, se o tempo é esse, se temos que modificar as nossas liturgias, adaptando-as a uma nova realidade, surge no nosso coração a preocupação pelo que realmente precisa ser refletido, ou seja, o que precisamos fazer para que as nossas igrejas estejam crescendo na adoração ao Senhor com toda a sua potencialidade. É a partir desse ponto que necessitamos fazer uma releitura das nossas práticas, sem confundir o que precisa ser incorporado nas nossas liturgias e sem ferir os princípios éticos e bíblicos.
Ao observar algumas definições, encontramos com clareza alguns elementos bem expressos no seu conteúdo, conforme nos diz Amorese:
A liturgia de uma cerimônia religiosa define-se como a forma de celebração de um amplo conjunto simbólico, no caso, o evangelho. Não é possível celebrar algum conteúdo sem uma forma. A forma sem conteúdo, em um certo sentido, pode existir, mas não o contrário. Um conjunto de ritos, um ritual, expressa um período completo de sentido. Desta maneira, um culto é um ritual, pois destina-se a celebrar, de forma mais ou menos abrangente, o patrimônio simbólico do evangelho.1
Para que entendamos com clareza o significado da adoração no culto e não estejamos infrigindo nenhum ponto, podemos dizer que o conteúdo e a forma são muito importantes para que a expressão da nossa adoração seja refletida da maneira como realmente desejamos nos expressar. O sentido na verdade, nada mais é que o resultado daquilo que elaboramos dentro das nossas liturgias e que podem fazer com que esse ritual seja repleto de significados celebrativos que nos impulsionam a entender o evangelho de uma forma prática.
O conjunto simbólico desenvolvido pelo evangelho é rico e extenso, porque envolve toda a nossa vida e todas as nossas vidas, não podendo ser esgotado em uma única celebração – mesmo que seja repetida muitas vezes. Por este motivo, uma liturgia “fossilizada” prejudica a celebração do evangelho como um rico patrimônio simbólico, havendo-se que eleger, forçosamente, ritos e significados da predileção dos oficiantes que originalmente a conceberam, em detrimento da riqueza e abrangência disponíveis e das necessidades concretas de expressão dos fiéis. 2
Podemos entender então que o culto de adoração deverá ser conduzido a Deus, fazendo com que a participação daqueles que estão juntos na celebração possam ser o fruto espontâneo da vida que o Espírito gerou no seu interior e que a redação elaborada anteriormente através da liturgia preparada, não seja literalmente validada, por causa da criatividade que o próprio Deus de amor expressa nessa troca com os seus adoradores. Nesse caso, sim, podemos dizer que os adoradores apaixonados deverão ser imitados pela sua liberdade de expressão.
Sempre houve culto no mundo; e este sempre teve uma forma que servisse à sua expressão, comunicação e celebração. A forma do culto cristão, portanto, nada mais é que um conjunto de ritos ordenados, a fim de dar expressão ao conteúdo semântico originário de sua mensagem. 3
Ao refletirmos na afirmação de Amorese, podemos entender com mais clareza um questionamento que tem surgido no meio da Igreja com relação à adoração que temos produzido: o que as nossas igrejas têm permitido expressar através das liturgias que elaboram? Os frequentadores dos nossos cultos têm sido impactados e envolvidos nessa adoração, ou simplesmente temos produzido apenas barulho sem conteúdo?
Ao lermos o profeta Amós 5:21 a 23, podemos entender o que realmente Deus sente diante de celebrações que são feitas sem o sentido real exigido pelo evangelho, conforme segue:
Aborreço, desprezo as vossas festas e com as vossas assembléias solenes não tenho nenhum prazer. E, ainda que me ofereçais holocaustos e vossas ofertas de manjares, não me agradarei deles, nem atentarei para as ofertas pacíficas de vossos animais cevados. Afasta de mim o estrépito dos teus cânticos, porque não ouvirei as melodias das tuas liras.
Temos visto muita celebração, porém sem uma ação concreta daquilo que oferecemos através dos cânticos, orações e rituais. Não somos capazes de romper com algumas barreiras físicas para encontrar no outro o real significado do evangelho, pois não conseguimos repartir dentro das nossas liturgias as nossas experiências, o nosso amor, o nosso aconchego, a nossa vida... É preciso entender que o culto é muito mais que uma reunião e que as etapas apresentadas durante o decorrer dele não têm significado se não forem rompidas para que a satisfação não se torne apenas pessoal, mas que atinja toda a comunidade.
Fica para nós o desafio de respeitar o próximo e entender que, o calor das relações de troca entre Deus e os seus filhos sobrepujam nossas maiores intenções e pretensões de limitar àquilo que denominamos adoração. Não são as fórmulas e formas que determinarão o que devemos fazer, mas a predisposição de adorar juntos e respeitar o espaço que não é meu, mas é do todo que compõe o Corpo de Cristo e que é administrado pelo Espírito Santo de Deus. Ele é que determina o clima especial que irá acontecer nos nossos cultos racionais!
Se considerarmos o momento do culto, isolado da dinâmica administrativa da igreja, diremos que só há dois papéis: o do artista e o da platéia. O artista é aquele que cultua o Senhor. E platéia é o próprio Senhor. O resto é mobília. Mesmo que de carne e osso. Não há platéia humana na verdadeira adoração. Todos somos chamados a ser artistas. 4
O Senhor quer receber a nossa adoração com exclusividade e a nossa performance deverá sempre ser desenvolvida com o único objetivo de agradá-lo. Ele quer que ofereçamos o melhor que temos diante do seu altar e não restos e sobras. Esse trabalho poderá ser administrado no nosso lugar secreto, mas também poderá fazer parte de um conjunto de pessoas que entendem que é importante que os nossos dons e ministérios sejam desenvolvidos na coletividade e nessa diversidade, o Espírito possa encontrar lugar para aquecer os corações.
Gostaríamos de finalizar nossa reflexão com um texto escrito por Nelson Bomilcar5, que nos leva a entender o que realmente significa ser um adorador apaixonado por Jesus.
Adoração é bem mais que cantar, tocar, dançar, louvar. Adoração reflete um estilo de vida em todas as áreas com as quais interagimos como pessoas criadas à imagem e semelhança de Deus. Adoração, além da dimensão contemplativa e celebrativa, envolve nosso compromisso com os que sofrem e com os que vivem sem esperança.
Se queremos ver os nossos cultos pessoais transformados e encharcados por uma atmosfera celestial, devemos assumir a roupagem de servos que transformam éticamente a nossa sociedade, assumindo o compromisso de levar libertação aos pobres e oprimidos, fazendo com que um novo cântico venha soar das nossas bocas, transformando o ambiente que adentramos num verdadeiro mover de louvor e adoração.
Que as nossas liturgias sejam levadas mais a sério, a fim de que possamos realmente ter atitudes éticas para com o nosso culto, e conseqüentemente a nossa adoração seja em Espírito e Verdade, como nos convoca o Criador.
Valéria Maria Barreto Motta dos Santos _ Professora de tempo integral na Faculdade Teológica Sul Americana (FTSA), lecionando as disciplinas de Espiritualidade e Vida, Religiões Mundiais e Missões Urbanas. É vice-coordenadora de graduação.
Fiquem na Paz.
Alexandre Ferreira
domingo, 28 de dezembro de 2008
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